Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Tânia Dhamer participou da oficina “Direitos e trabalho profissional: desafios atuais para a intervenção do/a Assistente Social no campo da ética e dos direitos humanos”, promovida pelo Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-MT) realizada em Cuiabá neste quinta-feira (21/09). O objetivo do evento foi debater o trabalho profissional no sóciojurídico, visando abordar aspectos sobre a execução penal e o Serviço Social na perspectiva da ética e dos direitos humanos.
Tânia Dahmer frisou a importância da identidade profissional do assistente social no sistema penitenciário, participação que nasceu em 1975 com a criação da Divisão do Serviço Social, quando, ainda no período da ditadura, já havia inquietações sobre a forma de exercer a profissão.
Segundo a especialista, a falta de políticas públicas efetivas vem ao longo dos anos favorecendo o alto índice de criminalidade e os criminalizados são despersonalizados, fragmentados e sofrem preconceitos perante a sociedade que os oprimem.
“Eu não consigo conceber que a prisão restritiva do bem maior da liberdade possa melhorar e fazer mudar valores de uma socialização anterior. Desde um bebê todo processo de criação de um filho é um processo de socialização. Quando você fala em ressocialização você está dizendo de que os valores que fundamentaram essa socialização desde que você saiu da barriga da mãe não são bons, precisam ser refeitos. Isso porque o sujeito delinquiu”, ponderou.
Para Dahmer, se o sujeito delinquiu foi um ato da vida dele, e isso não quer dizer que ele não presta em termos de valores. “Então eu acho que é um engano dizer que a cadeia é ressocializadora, porque a cadeia não tem como exercer essa atividade importante que é da relação humana, dos grupos, da coletividade. Ressocializar na cadeia seria como se você quisesse aprender a competir numa natação em uma piscina vazia”.
A especialista ponderou que a cadeia não é um lugar pra gente exercer esse tipo de atividade, até porque é um lugar de opressão muito forte, de práticas que precisam de alguma forma ser repressivas. “Como você vai segurar tantos seres humanos sob a rédea de diretores e agentes penitenciários quando esses homens estão cheios de energia, de ideias?”.
A especialista ainda questionou: “Você imagina uma cadeia com 1.500 presos jovens… como fazer para segurar um grupo desses? Fazer com que eles obedeçam às regras. É só na coação”.
Outra saída que ela vê como comum no sistema penitenciário é a questão da troca de favores entre presos e a direção da unidade prisional. “Uma maneira de controlar os presos é por meio de trocas entre os servidores no sentido de favorecer algumas coisas que os presos querem em torno de uma calmaria na cadeia”.
A importância das facções
Para suportar a cadeia, observou Tânia Dhamer, é preciso ter formas de trocas e os meios de comunicação são extremamente críticos em relação às facções. “Eu acho que a facção ainda segura a cadeia. O que seria se todos os presos resolvessem pertencer a mesma facção e questionar e triar os problemas com a administração penitenciária. Seria um caos. Na medida que eles estão desunidos, eles não conseguem planejar uma grande ação juntos. Isso de alguma forma é uma segurança para o sistema penitenciário”.
Tânia Dahmer afirmou considerar a cadeia como um instrumento de punição, que existe há 300 anos, extremamente controvertido e paradoxal. “Então, o trabalho nosso com essas pessoas não parte do pressuposto de que não estamos ressocializando. A gente parte do pressuposto de que mesmo nas condições adversas são seres humanos que cometeram delitos. Ele não é só um criminoso. Ele cometeu um crime. Ele sabe fazer muitas coisas, ele tem habilidades, trabalha na cadeia e a gente trabalha muito em função da garantia de direitos que qualquer pessoa teria”.
A especialista lamentou que a maior parte da sociedade não se preocupa com as que estão presas, com o que acontece atrás dos muros dos presídios, como dormem ou se alimenta. “Não importa o delito que fizeram ou a gravidade do delito. A gente não pode tomar a pessoa como sendo só aquilo. Às vezes a gente descobre dimensões naquele sujeito até o chegar ao delito. Os meios de comunicação poderiam ter esse papel de fazer uma análise crítica dos motivos que levaram o sujeito a cometer um crime, questionar que juventude e essa que temos hoje, sem esperança”.
Dahmer ponderou que todo ser humano vive projetando o que ele pode obter na vida dele. Quando o sujeito não tem o que perder, o que ganhar, ele entra em qualquer ‘parada’.
O Sócio-Jurídio
Tânia Dahmer destacou, por outro lado, que cada vez mais o campo de trabalho relacionado a esta área se abre ao Serviço Social, sendo necessária a penetração dos profissionais nesses espaços para que seja possível uma análise da temática, oferecendo subsídios para futuros profissionais, pesquisadores e ainda, inicie uma maior compreensão sobre o fenômeno da violência e a criminalização da pobreza.
Entretanto, segundo a especialista, apesar de assistentes sociais terem tido conquistas significativas na ocupação do espaço sócio-jurídico, ele ainda é muito diminuto e limitado, fazendo-se necessária uma articulação para que de forma conjunta e democrática, se lute por ampliar o mercado de trabalho na área em questão e desmistificação da temática coibindo os processos discriminatórios exercidos pela sociedade.
Paixão
Tânia Dahmer entrou em 1970 para trabalhar no sistema penitenciário e nos cinco primeiros anos “teve horror” do ambiente de trabalho. “Todos os dias quando eu batia o ponto na saída do trabalho eu dizia que não retornaria no dia seguinte. Eu chorava. Depois pensava como iria me sustentar se era o meu único emprego. Hoje eu tenho meus objetivos profissionais nesse setor dos quais não abro mão. É um campo difícil, mas muito apaixonante”.