Por Mércia Gonçalves – coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CRESS/MT
Importante falar sobre o setembro amarelo, mas, mais importante ainda é retomar o significado do que é a prevenção ao suicídio. Quando a gente fala em prevenção ao suicídio, a gente já está falando de uma construção histórica de lutas de trabalhadoras/es, ativistas, militantes pela saúde brasileira que construíram o Movimento da Reforma Sanitária, que teve início na década de 70 e culmina na universalidade do direito à saúde e criação do Sistema Único de Saúde – SUS – no Brasil na década de 80.
Assim como o Movimento pela Reforma Psiquiátrica, no fim dos anos 1970, que surge para denunciar as violências cometidas por um modelo de atendimento hospitalocêntrico de manicômios, que tratava a saúde mental como mercadoria, sendo a assistência à saúde responsabilidade de setores privados e uma perspectiva de culpabilização dos sujeitos.
Infelizmente, temos na nossa história um dos Hospitais Psiquiátricos mais conhecidos pelas atrocidades que ocorreram lá na cidade de Barbacena/MG, o Hospital Colônia, momento que ficou conhecido por “Holocausto Brasileiro”. Lugar este que, para além de aprisionar e violentar pessoas com transtornos mentais, também serviu de cárcere para pessoas que fugiam das normas sociais impostas na época, como prostitutas, pessoas LGBTs, militantes políticos e mães solo.
Já na década de 90, por meio das lutas travadas pelas movimentações da Reforma Psiquiátrica, legislações são aprovadas aos poucos nos estados pelo país afora. E é nesta mesma década que acontece a II Conferência Nacional de Saúde Mental e começam a entrar em vigor as primeiras normas que regulamentaram os serviços baseados nas experiências dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, NAPS e Hospitais-Dia, entretanto, ainda, caminhando a pequenos passos.
É na 3° Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) que os princípios, diretrizes e estratégias são deliberadas em torno da Reforma Psiquiátrica, no sentido de fortalecer os CAPS, o controle social e as construções teóricas e políticas para a Política de Saúde Mental no Brasil, com viés humanizado e reconhecendo a saúde integral como direito. Em um dos trechos da introdução do documento final da 3° CNSM consta um dos temas centrais: “Efetivando a Reforma Psiquiátrica, com Acesso, Qualidade, Humanização e Controle Social”, e consta em seu texto dizeres de defesa do SUS público, democrático, de amplo acesso e eficaz.
Então, falar em setembro amarelo é falar na atenção integral à saúde, mas ,não no sentido de culpar um sujeito por seu adoecimento, mas entender em qual contexto e qual sociedade esse adoecimento está sendo produzido para que possamos, de fato, tentar alterar essa realidade.
Vivemos em uma sociabilidade baseada na exploração do trabalho e opressão de grupos: pobres, mulheres, pessoas negras, LGBTs. Se uma sociedade não consegue produzir e reproduzir sua existência com todos os recursos naturais e habilidades físicas e mentais, é impossível que adoecimentos não ocorram e, mais ainda, práticas de suicídio.
É urgente falarmos em direito ao trabalho, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, ao meio ambiente, entre outras necessidades básicas humanas, para então falarmos em “prevenção ao suicídio”. Saúde não é sinônimo de ausência de doença. Como produzir campanhas do Setembro Amarelo, tentar “prevenir” o suicídio se a própria organização social não dá condições de saúde adequadas?
Nossa luta, neste Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio e, ainda, neste mês de campanha do Setembro Amarelo, é por condições dignas de vida, de moradia, de saúde. Em casos de adoecimento procure os serviços públicos e gratuitos da rede de saúde mental do SUS da cidade de Cuiabá.
Referências:
Relatório Final da II Conferência Nacional de Saúde Mental
Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental
Artigo “Holocausto brasileiro: 50 anos sem punição (Hospital Colonia) Barbacena-MG” do Geledés.
Documento “Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil” do Ministério da Saúde.